Os atletas brasileiros e a formação que precisariam ter para que pudessem garantir um futuro confortável. Uma questão que deve ser tratada de maneira ampla, envolvendo todos os atores do processo.
Primeiramente, não há como não pensar na origem da grande maioria daqueles que nos encantam competindo, vencendo provas e atingindo a fama.
As pesquisas nos mostram que, salvo algumas raras exceções estas pessoas vêm de uma origem muito humilde, onde formação, por exemplo é uma palavra que não frequenta o seu vocabulário.
Escola, alimentação, saúde são necessidades que muitas vezes ou passam longe, ou acabam aparecendo tardiamente na vida de cada um.
Diz a lenda, e se você se debruçar no maravilhoso livro de Rui Costa, A ESTRELA SOLITÁRIA, certamente vai achar esta história; 1958, seleção brasileira na Suécia, os companheiros de seleção fazem um convite para levar Garrincha as compras. A ideia de cada um era adquirir na Europa, o sonho de consumo de todos: um rádio. A resposta de nosso grande jogador é uma pérola: “não vou não. Pois quando chegar em Pau Grande (o lugarejo onde ele morava com a família) vou ligar o rádio, e não vou entender nada, pois os caras vão começar a falar e não vou entender nada”.
Alguém pode dizer, mas se isso aconteceu mesmo foi em 1958. É verdade.
Vamos rolar o calendário 50 anos:
1 conheci uma atleta muito famosa, em seu esporte, que foi criada em uma comunidade do nordeste do Brasil, que só se alimentava de ovos pois era a única coisa que existia. A família criava galinhas, e dali saia o sustento da família;
2 perguntado qual a uma outra sobre o sonho dela ao parar de jogar, e a resposta foi comprar uma arma;
3 Outro, treinou para uma Olimpíada num terreno abandonado, onde existia um pequeno espaço de concreto, afinal seu esporte demandava isso.
Percebam, são fatos no século 21. E que, tragicamente tem suas similaridades com o relato do século passado.
Esta questão de formação é importante e fundamental.
Mas, ao invés de focar no ensino tradicional, o que seria muito bom é oferecer a estes atletas a possibilidade de fazerem cursos que deem a eles uma profissão. Um curso técnico. Nada de supletivo ou similares, onde certamente não teriam paciência de cursar, e só se gastaria investimentos, que não seriam aproveitados.
Num país como o nosso, carente de recursos para educação, porque um SESC ou um SESI, ou mesmo uma outra instituição, não se tornam parceiros das Confederações e Federações, ou do próprio COB, dando esta oportunidade, principalmente aos que iniciam, de pensarem um pouco no futuro.
Pela própria premência de resultados, a vida do atleta é sempre pautada em diminuir o tempo, ser mais rápido, conseguir levantar um peso maior, acertar arremessos; mas tudo isso num prazo que se chama amanhã. A vida profissional é curta, e somente um percentual muito pequeno chega a se destacar, e com isso construir uma condição melhor, que mesmo assim precisa ser trabalhada para que não se perca.
Desta forma, o primeiro passo é trabalhar o mindset para que haja espaço, mesmo que pequeno, para que possam entender o que é futuro.
A vida de um atleta, está sempre voltada para o treino da tarde, o amanhã. O futuro é ali na esquina. Além disso, nós que não fomos atletas, pensar a longo prazo, quando estávamos no auge de nossos desempenhos, foi procrastinado por muitos, e foram poucos àqueles que realmente se preparam corretamente.
Quem vive o desafio do esporte, seu futuro está voltado em baixar seu tempo em um décimo de segundo numa prova de atletismo, nadar mais rápido, saltar mais longe; enfim uma série de “futuros” muito vivos a serem atingidos. Assim, aos 18 anos pensar em como vai ganhar a vida quando tiver 30, 40 anos.
Existem os grandes atletas, aqueles que recebem bolsa atleta, por exemplo, tem contratos de imagem com grandes patrocinadores, e outros ganhos que conseguiram a partir de seu esforço e mérito. Merecem sempre nossos cumprimentos e aplausos.
Mas, pensando na ajuda que recebem do poder público para que treinem e permaneçam em forma, para que continuem colocando o Brasil nos podiums pelo mundo afora.
Que tal se existisse o compromisso de dedicar, após sua aposentadoria do esporte,
6 meses, 4 horas por semana, a formação de quem está começando no mesmo esporte onde foi campeão, medalhista.
Nossos programas acabam sendo muito assistencialistas, a meu ver. Não percebo uma vertente voltada para se retribuir a sociedade, o que se recebeu dela mesmo. Afinal todos estes programas são financiados com nossos impostos.
Nós precisamos entender e praticar o que é COMPARTILHAR.
É óbvio que existem exemplos fantásticos de projetos desenvolvidos.
Seus criadores se esforçam muito para que se mantenham, e mais ainda, que tenham qualidade. Não é nada fácil.
Voltando ao artigo que tive contato, apesar de considerá-lo extremamente importante e adequado em termos das reflexões propostas, existe um viés quanto a como deveria ser esta formação. Afinal do que mesmo estamos falando?
Se para você, meu leitor querido, formação for o ensino formal, vou ter que dizer a você que, em meu modesto conceito, não é a questão de saber qual a capital da Guiana, ou quanto dá seno A + cosseno B, ou que quando se mistura ácido mais base teremos sal e água (juro que não colei); tratasse de ensinar elétrica, programação, alfaiataria, patisserie ou qualquer outra “CIÊNCIA DO TRABALHO”, que de opções imediatas, a quem abandonar as quadras, as pistas, os tatames, ou as piscinas, pois seu tempo já passou, que tenham a segurança de poder achar um lugar onde possa exercer esta segunda atividade.
Para isso, contar com as empresas patrocinadoras, pode ser muito importante para todos os envolvidos.
Só precisamos ser criativos e ousados.
Quando estudei patrocínio olímpico, me deparei com um patrocinador que selecionou 100 atletas do time do país e passou a tê-los como colaboradores. Recebiam salário, férias, ajuda alimentação, enfim todos os benefícios que os colaboradores tinham direito.
Mas também existia a obrigação, de durante o período de trabalho, uma parte do tempo, que não prejudicasse os treinos, fosse dedicado ao patrocinador. Assim podíamos encontrar com atletas do time olímpico daquele país, exercendo funções administrativas naquela empresa, atendendo ao público, inclusive. E mais, após os jogos, se quisessem continuar na empresa, poderiam.
Pois é, existem patrocinadores de todas os setores do mercado. Porque não monetizar algumas formas de formação, e oferecer. Cursos de treinamento internos, junto com os colaboradores sim. Ou uma escola, escola técnica, curso de inglês, universidade, porque não poderia ser criada uma cota de formação, direcionada às categorias desde as mais básicas até o alto rendimento. A contrapartida com exposição de marca, utilização da imagem dos atletas, enfim existe um mundo de possibilidades, basta se pensar, dedicar tempo, ter boa vontade de todos os lados.
COMPARTILHAR.
Precisamos pensar estes processos de uma forma diferente, cooperativa. Utilizando os mesmos formatos, chegaremos no máximo, onde já estamos.
Precisamos pensar o futuro, do esporte, dos patrocinadores, dos atletas, quantos produtos fazem parte desta cadeia produtiva? Estamos frente a frente com uma gama de soluções que só precisam ser criadas e colocadas em prática.
Recomendo assistir na Netflix, COACH CARTER, um grande filme, que tem como protagonista, um professor que tem por propósito formar seu time de basquete, não só como atletas, mas como profissionais. Vale a pena para viu ou não viu. Ali tem um caminho maravilhoso. E ele conseguiu. Trata-se de uma história real.
Patrocinar significa prover, custear, financiar. Conceder proteção, amparar, favorecer.
Na medida em que olhemos para esta definição, em toda a sua amplitude, e decidirmos que vamos encarar frentes novas, e criarmos um modelo disruptivo, certamente partiremos para um caminho mais tortuoso, mas com resultados muito mais consistentes.
Eu acredito que o diferencial de patrocínios pode estar nessa pegada, diferentemente de só usar as velhas contrapartidas institucionais.
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